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É com muito orgulho que apresentamos as primeiras entrevistas do 1º Capítulo do projeto de Storytelling do Café Memória pela Nave16. Estas são duas das seis entrevistas com os principais parceiros do Café Memória: Sonae Sierra, Associação Alzheimer Portugal, Fundação Gulbekian, Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, fundação Montepio e Instituto de Ciência de Saúde da UCP.

As entrevistas foram feitas pela embaixadora do projeto, Luísa Castel-Branco e por um membro da equipa Nave16.

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Em baixo pode ler a transcrição completa das entrevistas.

 

1ª entrevista

Anabela Salgueiro - Fundação Gulbekian
 

1ª entrevista

Anabela Salgueiro - Fundação Gulbekian
 

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LCB – Por que a Gulbenkian se envolveu como parceiro do Café Memória? A Anabela tinha ou tem alguém com problemas de demência próximo de si?

AS – Não, não tinha. A fundação é que tem com a demência uma preocupação grande. Começámos há bastante tempo a trabalhar estas questões sempre muito em parceria com a associação alzheimer e a fundação montepio, e isto já vem desde 2008, altura em que fizemos uns workshops aqui, com uma delegação do reino unido onde já se pensava reunir pessoas das mais diversas áreas, mas com preocupações relativamente à demência e às doenças neurodegenerativas. Portanto, isto tem havido um crescimento, digamos assim. Dos workshops que foram realizados aqui, em 2010, começou a pensar-se criar um projeto, montar algo que à partida seria para fazer com os municípios, em parceria com alguns municípios, e testar se era um formato interessante ou não. Isto era a criação de uns gabinetes técnicos que denominamos “cuidar melhor”, depois de passar por algumas aventuras de outros nomes e é um bocadinho na senda deste Cuidar Melhor que nasce o Café Memória, muito por entrada da Sonae Sierra que quis adaptar para Portugal um modelo que já existia noutros países, abordou a associação alzheimer e, por sua vez, juntaram-se aqui à equipa que já estava constituída para os ditos gabinetes técnicos.

LCB – É por isso que a Gulbenkian me irrita. Porque vocês estão sempre à frente daquilo que se devia fazer no país em todas as áreas.

AS – Uma das grandes vantagens da Gulbenkian é a sinergia que tem com os outros, é criar uma relação. Conseguimos sentar à volta da mesa pessoas de diversas áreas e construir algo. Muitos dos projetos que se vão desenvolvendo nesta área social, sobretudo, nascem muito assim. Portanto, quem é que já fez ou seria bom para fazer? Juntamos várias competências e é um bocadinho da partilha que se vai construindo.

LCB – O que é que estes anos de Café Memória vos trouxeram da experiência dos outros?

AS – Normalmente, na equipa onde estou que é Coesão e Integração Social, nós procuramos acompanhar os projetos. Já foi o tempo em que a fundação deu dinheiro para alguém fazer. Hoje em dia financia-se projetos, mas também se acompanha, também se está presente o melhor possível, o mais próximo possível. Vai-se acompanhando algumas das experiências que estes projetos vão trazendo. Eu já tive a oportunidade, poucas vezes, mas algumas, de estar nas sessões, e deixa-me sempre um bocadinho… A última experiência foi agora no sexto aniversário em que nós próprios que estávamos presentes para além dos utentes também fizemos parte da atividade. Senti-me completamente absurda porque eu caí na esparrela de uma das atividades. A pergunta tinha a ver com quantos animais é que Noé colocou na arca. E eu, toda lampeira, disse dois. Tinha de ser o par para poderem reproduzir-se. Mas a pergunta não era o Noé, era o Moisés, só que a pessoa está tão a querer fazer e a querer participar que nem repara. Não era fácil! Isto é uma experiência que bem demonstra que nós, se calhar, temos de passar mais por estas experiências para percebermos melhor. Não era nada de especial, mas que absurdo, como é que eu não pensei…

LCB – Não tendo ninguém na família com um problema destes, não é, portanto, nada que a assuste…

AS – Claro que me assusta. Não tenho na minha família, mas vejo à minha volta. Cada vez o número é maior, uma prevalência enorme e mais, nós vemos é que as pessoas que prestam os cuidados, o familiar, o cônjuge, o filho são pessoas que, muitas vezes não têm supervisão nenhuma. Como fazer? Qual é a melhor maneira? É evidente que instintivamente reagimos em função daquilo que nos parece ser o melhor possível, mas a verdade é que muitas vezes faz o que instinto manda, mas não aquilo que sabe que podia fazer. Aí temos um papel muito importante: informar, dar instrumentos, dar recursos às pessoas para que atuem da melhor maneira possível.

LCB – Sendo que, a vida na cidade, faz com que a maior parte dos casais não tenha sequer capacidade para lidar com alguém com problemas destes. A desertificação, a vinda para as grandes cidades também faz com que as pessoas não tenham no seu dia a dia capacidade e condições para lidar com situações como estas.

AS – É um problema concreto e muito complexo e confesso-lhe que não sei como é que se consegue chegar a todas as pessoas, porque não se pode institucionalizar toda a gente. Eu acho é que há que criar recursos próximos na comunidade que contribuam para a resolução desses problemas e aí eu acho que temos vindo a fazer um caminho muito interessante.

LCB – Há quem abandone os animais nas férias, o que é um crime, mas o que é mais horrível é quem abandona os familiares. E isso acontece sistematicamente.

AS – Quando nós reunimos aqui com uma série de instituições, há alguns anos, com uma equipa do Curry Cabral, o principal problema que eles assinalaram foi esse. Têm muitas pessoas que acabam por ir ficando. A família não os vai buscar e não há como libertar as pessoas se não houver um familiar ou alguém responsável por eles… Há imensas pessoas nessa situação.

LCB – Vivemos uma dicotomia: uma desumanização e uma crescente preocupação com as pessoas.

AS – Sim e eu acho que o Café Memória é um bom exemplo para isso, porque a sociedade civil está muito presente, as pessoas estão a querer fazer alguma coisa, a dar o seu contributo.

LCB – Portanto, é uma mensagem positiva.

AS – Absolutamente.

LCB – Aquilo que o Café Memória consegue trazer é um sorriso, não é?

AS – Sim, seguramente. E eu acho que também é mostrar saídas porque muitas vezes as pessoas estarão de tal maneira assoberbadas com a situação, sem saber para que lado se virar e também não terão muito conhecimento. Eu penso que uma pessoa que se depare com uma situação destas, não terá prévio conhecimento sobre a quem pode recorrer. Quais são os serviços, conhecimentos, recursos, o que seja. As pessoas não sabem e no Café Memória têm esse recurso, onde não se sentem constrangidas caso fosse noutro ambiente. É um fator muito importante.

Nave16 – Associarem-se ao Café Memória é uma forma de ajudarem os cuidadores também, até para depois não existirem essas situações de abandono...

AS – A linha de trabalho direcionada para os cuidadores tem sido uma tradição na fundação Gulbenkian, há muitos anos que há uma preocupação a esse nível, portanto este é um dos projetos que vem dar corpo a essa preocupação. Eu penso que fará toda a diferença, porque é uma porta de entrada porque a partir daqui podem ter pistas, podem ter encaminhamentos, para outras respostas mais estruturadas. Isso até os gabinetes técnicos, que este projeto tem associado, podem fazer um passo seguinte.

Nave16 – Há algum momento que a tenha marcado nestes seis anos de Café Memória?

AS – Há uma coisa relativamente recente que eu acho que até tem piada, que tem a ver como é que nasceu um bocadinho disto da itinerância. Hoje em dia, para além dos Café Memória que já são 20, o que em seis anos é extraordinário, e a itinerância – que se denomina Café Memória Faz-se à Estrada - terá nascido numa conversa telefónica com a Catarina Alvarez. Estávamos a falar como é que podíamos fazer chegar esta resposta aos locais com menos densidade populacional, onde não justifica criar uma resposta local permanente. E começámos a pensar como era a itinerância com as bibliotecas, para a literacia das pessoas e também o combate ao isolamento. Conversa puxa conversa e acabámos por pensar em estruturar um projeto um bocadinho à semelhança das bibliotecas itinerantes. Acho que foi uma bela ideia e o conjunto de sessões que já se realizaram e a crescente solicitação que tem havido são bem prova que foi uma boa ideia e que está a correr muito bem.

Nave16 – Foi importante para si participar nas sessões do Café Memória, ver como funciona?

AS – Claro que sim! Participei no 1.º, em abril de 2013, e agora no do 6.º aniversário. Não podia deixar de estar neste aniversário, agora já há um certo amadurecimento. Há uma participação muito ativa das pessoas, as pessoas estão mais descontraídas, é muito interessante ver isso.

Nave16 – É quase um ambiente de Café, a falar-se de assuntos sérios, mas com um sorriso nos lábios...

AS – Exatamente. As pessoas a partilharem com facilidade as suas experiências, o que também me surpreende, porque são questões um bocadinho do íntimo e as pessoas estão à vontade para partilhar, o que é extraordinário.

Nave16 – Em seis anos, 20 cafés memória, Café Memória Faz-se à Estrada, o que vai acontecer a seguir?

AS – É um bom balanço, não é? Acho que vamos continuar a crescer, o Café Memória pode ter uma dimensão nacional e acho que é muito importante estudar o impacto que o Café Memória está a ter na sociedade, para além do que está à vista, é preciso que se torne demonstrativo de que é eficaz. 

2ª entrevista

Rita Chaves - Santa Casa da Misericórdia de Lisboa
 

2ª entrevista

Rita Chaves - Santa Casa da Misericórdia de Lisboa
 

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Por que a SCML decidiu associar-se ao Café Memória?
Lembro-me que a nossa primeira reunião, em 2013, entre a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) e a Associação Alzheimer Portugal (AAP), tinha um âmbito completamente distinto do projeto Café Memória. Na altura, o Café Memória, contava apenas com 4 meses de existência, e obviamente o entusiasmo das responsáveis era contagiante. Acabou por ser um assunto inevitável nessa mesma primeira reunião, o que, pelos óbvios pontos convergentes com a Missão da SCML, acabou por originar uma junção de esforços muito positiva.

A SCML conhecia bem a realidade do seu segmento de utentes menos jovens, e reconhecia também que, no domínio das “maleitas” crónicas que subsistem nesta população, os estados demenciais são sem dúvida um motivo de enorme preocupação. Apresentava-se-nos um desafio que nos permitia ir além dos nossos espaços físicos de intervenção social. De apoiar uma causa que tão bem conhecemos, através do apoio informal à comunidade, da sensibilização, não só para a necessidade de diagnósticos atempados, mas também para os diferentes tipos de demência, para partilha de informação em vários domínios (jurídico, cuidados preventivos, métodos e técnicas de estimulação cognitiva, alimentação, etc), não só para quem tem já diagnóstico ou alguns sintomas de demência, mas sobretudo para toda a rede de suporte, sejam cuidadores formais, cuidadores informais, familiares, entre outros.

A destigmatização da doença seria inevitavelmente trabalhada pelo esclarecimento constante de questões menos claras, em conversas tidas em contexto informal, juntando à “mesa do café” pessoas que partilham muitos dos obstáculos, dificuldades – mas também alegrias, e soluções.

Foi exatamente por acreditarmos que não poderíamos deixar de estar presentes num projeto com esta dimensão humana de intervenção e impacto, que oferecemos a nossa disponibilidade para o início de criação de uma rede de Cafés Memória.

Graças aos pontos tangentes nas missões de ambas a instituição, e que passam pela construção de soluções e respostas que garantam um aumento da qualidade de vida de quem mais precisa, foi apenas uma questão de escolha de espaços adequados, de técnicos com experiência, e de voluntários, um dos bens mais preciosos deste projeto.

Em Fevereiro de 2014, assinaríamos o primeiro protocolo que contemplava dois novos espaços do Café em Lisboa, dinamizados pela SCML.

Qual o vosso papel nesta parceria?
Fomos os primeiros parceiros externos desta rede, o que não só resultou como uma excelente “prova de conceito” do potencial de abrangência geográfica, como também acrescentou credibilidade ao projeto pelos excelentes resultados obtidos.

Neste momento a SCML assegura a continuidade dos 2 CM que deram início a esta parceria, formalmente estabelecida no início de 2014. O CM Lisboa Chiado, realizado nas instalações dos serviços centrais da SCML (2.º sábado de cada mês) e o CM Lisboa Castilho, realizado no espaço Atmosfera M do Montepio Geral Associação Mutualista, no 3.º sábado de cada mês.

Em 2017, a AAP e a SCML desafiaram a Câmara Municipal de Lisboa (CML) para a abertura de mais 2 Café Memória na cidade de Lisboa, ponderando várias possibilidades de locais, por forma a garantir uma maior cobertura geográfica deste projeto. Em Setembro do mesmo ano, demos início à dinamização de mais dois Café Memória, em conjunto com a CML: o CM do Campo Pequeno, realizado no Palácio Galveias ao 2.º sábado de cada mês e o CM Olivais, realizado na Quinta Pedagógica dos Olivais, no 4.º sábado de cada mês.

Temos por isso, atualmente a coordenação destes 4 locais, dois dos quais em parceria com a CML.

De quais feitos mais se orgulha?
Não sei se poderei considerar “orgulho”, mas penso que não haverá nada mais compensador do que o feedback dos participantes. São mensagens, emails, telefonemas e palavras muito sinceras e profundas, de quem sente de facto a diferença. Na primeira pessoa. Internamente partilhamo-las com muita frequência, e é a essa sensação de dever cumprido que eventualmente nos trás algum desse tal “Orgulho”.

Penso que qualquer membro da equipa, seja voluntário, técnico, coordenador, ou quem tenha alguma responsabilidade neste projeto o sente desta forma. Sobretudo os voluntários, que são já como uma segunda família de caras bem conhecidas para os participantes.

Já passaram seis anos desde que o Café Memória foi criado. O que pensa que pode ainda acontecer neste projeto?
Acredito que os eixos de concretização para os participantes são essencialmente 3:

  • A criação de uma rede de apoio, feita por quem partilha experiências semelhantes;
  • A Informação disponível para questões que se possam colocar, quer enquanto cuidador, quer por quem tem suspeita ou mesmo diagnóstico de demência;
  • A disponibilização de um espaço social, divertido, acolhedor, informal, um “bem” tão necessário quanto os anteriores pontos.

E é por aqui que podemos pensar em como conseguimos chegar mais longe, com maior impacto e de forma inovadora.
Talvez pela criação de uma sub-rede dinamizada por parceiros locais informais, coordenada por “mentores”, ou pela existência de meios digitais que, apesar de não serem de acesso a todos, poderão facilitar a informação de forma mais estruturada e concertada.

O Café Memória “Faz-se à Estrada” foi sem dúvida um destes modelos de sucesso, o que permitiu chegar mais longe em termos de sensibilização. Estou certa que com a liderança e a grande equipa deste projeto, que o têm conseguido levar a todo o país, novas ideias, novos modelos, e novas respostas de grande impacto surgirão. Considerando o estimado aumento da esperança média de vida, bem como a atual incidência destas situações crónicas, serão respostas por demais necessárias e muitíssimo bem-vindas.

Continue acompanhando o projeto de Storytelling do Café Memória, teremos muitas entrevistas e conteúdos importantes pela frente.
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