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É com muito orgulho que apresentamos o último episódio do 2º Capítulo do projeto de Storytelling do Café Memória pela Nave16. São mais duas das doze entrevistas com alguns dos técnicos e voluntários do Café Memória.

As entrevistas foram feitas pela embaixadora do projeto, Luísa Castel-Branco e por um membro da equipa Nave16.

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Em baixo pode ler as transcrições completas das entrevistas.


1ª entrevista

Patrícia Souza - técnica

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Há quanto tempo trabalha ou está envolvido com o Café Memória? 

Já colaboro no projeto Café Memória há quatro anos e oito meses, comecei no Café Memória de Viana do Castelo, desde a sua primeira sessão e desde há um ano que abraço também o projeto na cidade do Porto.

Qual a missão do Café Memória?

A missão do Café Memória, atrevo-me a dizer que é o aconchego. Aconchegar quem vem ter connosco, fazer as pessoas sentirem-se em casa, fazermos com que as pessoas sintam identidade, sintam pertença e não se sintam excluídas. É proporcionar a estas pessoas a oportunidade de partilharem as suas histórias e acima de tudo, poderem partilhar as suas histórias com alguém que está a viver a mesma experiência ou pelo menos uma experiência similar à dela. É acolher cada pessoa e cada história como única.

O que é mais desafiante no seu trabalho enquanto técnica?

O desafio é sem dúvida a gestão de expectativas, aquilo que as pessoas com demência precisam e aquilo que os cuidadores e familiares mais procuram.

Qual o seu papel / que funções desempenha?

O meu papel no projecto, tanto na equipa do Porto como na equipa de Viana do Castelo integro a equipa de coordenação. A nível de coordenação, temos naturalmente de definir o planeamento das sessões, definir anualmente o plano de actividades, definir as expectativas e necessidades dos participantes e adequar assim cada sessão àquilo que eles esperam. A nível da gestão de voluntários, também é um desafio muito interessante no sentido em que o projecto é sustentado por voluntários, nós não conseguíamos fazer uma sessão se eles não estivessem connosco, têm um papel extremamente importante e a nível de coordenação é muito importante envolvê-los no projecto, mantê-los connosco e atribuir significado a tudo o que eles fazem. Nas sessões em si, sinto que o nosso papel enquanto equipa de coordenação passa muito por acolher as pessoas, elas chegarem e muitas das vezes sem nos dizerem ou sem nos falarem, com um olhar elas já nos estão a dar mensagens e nós temos que ir ao encontro ou dar-lhes as respostas que querem ouvir naquele momento e é assim que nós vamos criando esta relação com os nossos participantes, é ouvi-los sem eles terem falado connosco. Na sessão, claro que esta gestão de expectativas continua porque muitas vezes nós desenhamos uma sessão e estamos à espera que até exista mais adesão a determinada coisa e a adesão até acaba por ser a um pormenor que nós nem estávamos a contar e temos de fazer gestão. Ou muitas das vezes, até temos um quebra-gelo planeado em que temos muita gente em sala e vamos ter de mudar o quebra-gelo senão iríamos demorar o triplo do tempo e portanto esta capacidade de adaptação é muito o nosso papel.

Por que decidiu associar-se a este projeto?

Naquela altura estávamos a trabalhar no âmbito do empreendedorismo social e estávamos a desenhar uma resposta inovadora de intervenção junto de pessoas com demência, dos seus familiares e cuidadores. O que mais fazíamos, que era efectivamente necessário, era procurar boas práticas que já existiam e foi aí que descobrimos o Café Memória. Quando percebemos o conceito, não hesitámos, participei numa sessão em Cascais e foi um momento fantástico. Senti nessa altura que este projecto tinha que vir para Viana do Castelo. Nessa sessão senti o impacto que o projecto tem tanto na pessoa com demência como nos familiares e cuidadores e até o impacto que teve em mim, que era na altura uma profissional à procura de intervir nesta área e de ganhar ainda mais motivação e sem duvida que consegui isso. Quando cheguei cá acima e falei com a equipa, todos concordámos que deveríamos trazer o Café Memória para Viana do Castelo porque ele vai de encontro a tudo o que procurávamos porque é um projecto que não intervém exclusivamente com pessoas com demência ou exclusivamente com os seus cuidadores mas sim com os dois e é um projecto que cria impacto nas pessoas. É um projecto onde nós conseguimos, num ambiente informal, falar de coisas muito sérias. É por ser tão incrível que continuo até hoje a fazer parte deste projecto.

Como se desenrola cada sessão?

Não existe uma sessão igual à outra, cada sessão é única tão simples pelo facto de nós nunca sabermos quem vem e também vivermos essa expectativa, tanto nós equipa de coordenação, como os participantes, como a equipa de voluntários. Eu sinto que numa fase inicial existiam momentos que não tinham o impacto e o significado que tem hoje, nomeadamente a fase do acolhimento, recordo-me que no início as pessoas não conseguiam perceber e diziam “porque é que perdemos tanto tempo à espera para começar” e hoje em dia aquilo a que antigamente se chamava “porque é que perdemos este tempo” é um dos momentos mais significativos do Café. É o momento em que proporcionamos às pessoas espaço para que elas possam fazer o que quiserem com aquele tempo. Se quiserem partilhar na mesa o que se passou durante a semana ou durante o mês, se quiserem contar uma história muito boa ou muito triste, eles vão ter essa liberdade durante essa meia hora e também é o momento em que nós, equipa de coordenação, conseguimos ouvir cada história individualmente quando vamos circulando pelas mesas e vamos, muitas das vezes até, só interpretar os olhares que as pessoas nos dão e perceber logo como é que estão e o que é que as trouxe naquele dia. Depois a pausa para café é um momento também muito importante, as pessoas adoram saborear o bolo e dar dois dedos de conversa ao sabor de um café e o “quebra-gelo”, desde sempre que nós habituámos os participantes a envolverem-se nessa dinâmica e a darem o seu contributo para a acção e sinto que hoje em dia é um momento de muita expectativa, “o que será que nos prepararam hoje?” e sem dúvida que nós conseguimos o que se pretende que é quebrar o gelo porque há pessoas que nos surpreendem nesta dinâmica de uma forma incrível, nomeadamente as pessoas com demência. É nesse momento também que fazemos este treino de inclusão, se a pessoa com demência está a demorar muito a responder, nós vamos-lhe dar o tempo que precisa, é por isso que essa pessoa está neste projecto, nós vamos respeitar cada pessoa como única e isso acaba por educar todas as pessoas que estão no projecto, desde a equipa de coordenação, voluntários, famílias. Nós notamos muitas vezes que os familiares até vão substituir a pessoa com demência e sentem logo que não há necessidade de fazer isso porque estão em casa e isso é o que faz as pessoas sentirem-se bem, relaxadas e confortáveis. Tentamos também que todas as palestras ou mesmo as actividades estejam adequadas às expectativas dos nossos participantes e sinto que durante este percurso temos conseguido, há pessoas que nos acompanham desde a primeira sessão e isso é muito positivo.

Que balanço faz do seu envolvimento neste projeto?

O balanço do meu envolvimento no projecto, indiscutivelmente, eu considero que é muito positivo. Não só pelo querer e acreditar que tenho nele e por tudo quanto faço por ele, quer a nível pessoal, quer a nível profissional e é evidente o meu crescimento e o crescimento do projecto, é como se fosse algo que acontece simultaneamente e eu estou muito feliz por isso.

O que sente no fim de cada sessão?

No final de cada sessão, sinto o meu coração cheio. Em todas as sessões eu tenho oportunidade de viver momentos muito significativos, de partilhar experiências incríveis e sentir sentimentos inexplicáveis. Há uma voluntária que costuma dizer que em todas as sessões que ela participa, consegue levar mais do que aquilo que dá. Eu partilho com ela, em todas as sessões eu sinto que o pouco que nós damos é muito para os nossos participantes e é isso que me faz querer neste projecto e é isso que me enche o coração. O que é que me deixa muito feliz? É sentir que tenho voluntários na equipa a acompanhar-nos desde a primeira sessão, que temos participantes que estão connosco desde a primeira sessão e isso é o nosso indicador de sucesso, é o indicador de que este projecto vale a pena, tanto para nós como para eles.

Que episódio viveu que mais a marcou?

O episódio que mais me marcou, eu não gostava de ter escolher só um porque tenho tantas memórias boas, tantos momentos significativos que realmente fica difícil de escolher. Há uma memória, um momento que não foi vivido necessariamente vivido por mim mas foi um momento que me fez e acho que nos faz querer na essência deste projecto e no significado e no impacto que ele tem nas pessoas. Isto já foi há muitos anos, logo no primeiro ano de Café Memória em Viana do Castelo. Nós estávamos numa sessão de palestra e na gestão de equipas pedimos a uma voluntária que se sentasse ao lado de uma senhora com demência. Esta senhora já nos acompanhava desde a primeira sessão, no entanto, a doença no espaço de 3 meses evoluiu de tal ordem que a senhora já estava, digamos, afásica e já não comunicava muito. A familia a tentar deixar-nos à vontade disse “não vale a pena, deixe-a estar, ela agora gosta de estar no seu canto, não gosta muito de falar”, no entanto, dei indicação à voluntária e ela ficou na mesa com a senhora, em permanente comunicação mas sem falar com a senhora. A sessão desenrolou-se, o palestrado foi falando e a voluntária através de gestos, de sorrisos, de permanente contacto ocular foi estabelecendo relação com esta senhora com demência. No final da sessão, esta senhora tocou na mão da voluntária e disse-lhe “obrigada, obrigada por teres falado comigo”. Este momento, quando foi partilhado na reunião de equipa deixou-nos todos emocionados porque a D. Isabel já nos acompanhava há imenso tempo, portanto, nós vimos a doença a evoluir, nós vimos esta perda de capacidade mas assistimos também a este momento de ternura e acima de tudo, um momento em que a pessoa com demência nos mostra, nos evidencia como ela precisa de atenção mesmo que ela não nos consiga dizer isso. Sem dúvida que este foi um dos momentos que mais marcou a equipa, ainda hoje falamos deste momento e sem dúvida que são estes momentos que nos fazem crer neste projecto. 

2ª entrevista

Luís Durães - técnico

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Há quanto tempo trabalha ou está envolvido com o Café Memória? Por que decidiu associar-se a este projeto?

Somos elementos da equipa técnica dos Café Memória de Viana do Castelo e Barcelos e assumo a gestão dos Café Memórias Faz-se a Estrada pelo norte do país. E tenho a sorte e o prazer de integrar esta equipa em 2014. Portanto, muito próximo do início deste projeto. Porque é que eu me juntei ao Café Memória? Porque fazia todo sentido, eu acredito plenamente no trabalho de proximidade e num trabalho junto à comunidade junto às pessoas. E ser na minha área de especialidade, um trabalho na comunidade junto com pessoas com demência, junto dos seus cuidadores e familiares. Motivei-me a perceber como é que podíamos partir o projeto para o norte do país e hoje, cinco anos envolvidos de entrada deste projeto e integrar esta família. Fico muito feliz por manter-me associado àqueles que foram os primeiros Café Memória do norte.

Como se desenrola cada sessão? Qual o seu papel / que funções desempenha?

As sessões do Café Memória contam todas com a mesma estrutura, os primeiros 30 minutos são dedicadas a recessão individualizada dos participantes. Neste momento podemos aproveitar para perceber que expectativas tem os nossos participantes para nos visitar e como chegaram até nós, como conheceram o projeto e o que esperam levar ao final desta sessão. Podemos aproveitar para nivelar expectativas e para perceber de que forma podemos chegar às pessoas que nos visitam. Depois as pessoas são convidadas a sentar-se nas mesas de café. O Café Memória pressupõe isso, um ambiente seguro mas perfeitamente informal, disposto em forma de Café. As pessoas sentam-se com os voluntários da equipa e com os outros participantes e convivem, que é o que se espera. Partilham histórias e experiências, partilham angústias e preocupações, mas partilham esperança e força. Este 30 minutos são fundamentais para isso.

Em seguida há sempre uma breve dinâmica de apresentação e de quebra de gelo. As sessões do Café Memória não implicam qualquer inscrição prévia nem qualquer obrigatoriedade de permanência e também não implicam qualquer tipo de pagamento. É de se esperar e particularmente quando trabalhamos com o tipo de participantes que trabalhamos, que o público vá evoluindo e vá mudando ao longo das sessões. Não é sempre o mesmo e felizmente em todas as sessões temos sempre alguém que nos visita pela primeira vez. E essa dinâmica de apresentação e de quebra de gelo é muito importante, tanto para quem já cá esteve ou pra quem veio pela primeira vez. É claro que essas dinâmicas são muito breves e a ideia é que sejam leves, estimulantes e que possam de alguma forma levarmos pra realidade, é claro ou simplesmente criar um momento lúdico de desfruto conjunto. A seguida, porque isto é o Café Memória, há sempre uma pausa para café aí temos a oportunidade para oferecer a todos que nos visitam uma fatia de bolo, um café, um chá, uma água e mais um momento de alívio, descontração, de conversa e mais um momento de respiração e descompressão. Depois, na segunda metade da sessão temos duas possibilidades. Ou temos uma sessão de palestra com um convidado externo que dinamiza uma conversa informal acerca de um tema que pode interessar ao nosso público, que nós achamos que faz sentido para aquelas pessoas e pra nós e ao longo desses 5 anos contamos com a presença de pessoas da medicina, da neurologia, psiquiatria, da medicina geral familiar, psicólogos, enfermeiros, mas também juízes, pessoas ligadas às artes, palhaços, pessoas ligadas à espiritualidade. Na verdade, todas as pessoas, que possam de alguma forma, trazer um conteúdo para quem vive e lida diariamente com a doença possa fazer de alguma forma mais informada, mais segura e mais feliz.

Ou então é uma sessão que nós chamamos de atividade,. O que nós fazemos é promover uma atividade lúdica, de disfruto conjunto, acessível a todos que nos visitam, pais, filhos, irmãos, mães, mulheres, netos, avós, voluntários, técnicos, todos. Participamos da mesma atividade, todos temos a oportunidade de nos ajudar, de ser ajudados e de contribuir para algo maior que nós e construir algo juntos.

Todos Café Memória contam com dois elementos da equipa técnica e este par que é responsável por assegurar-se que as sessões aconteçam e se desenrolam da maneira prevista. Ou seja, o nosso papel passa-se por planear, monitorizar a avaliar as sessões. E por gerir essa incrível bolsa de voluntários que todos os meses dá corpo e alma às sessões do Café Memória. Mas o nosso papel está longe de se esgotar aqui. Se eu tivesse que dizer concretamente qual é o meu papel no Café Memória, é facilitar relações, validar sentimentos e emoções. É promover o acesso ao conhecimento, claro e novas competências. Mas muito mais do que isso, é promover a partilha entre os pares e a garantir um ambiente compreensivo, seguro, válido mas descontraído, informal, social e prazeroso. Eu diria, numa frase, que meu papel no Café Memória é continuar a dar esperanças às pessoas de uma forma responsável.

Apesar de não ter objetivos terapêuticos, o Café Memória tem os resultados terapêuticos mais incríveis pelos quais eu já tive a oportunidade de contribuir. Por isso, o balanço que eu faço da minha participação no projeto é francamente positiva e não antecipo que possa diminuir de alguma forma.

O que é mais desafiante no seu trabalho enquanto técnico? O que sente no fim de cada sessão?

Um dos maiores desafios é, sem dúvida, lidar com a ausência. Com estas duas ausências: com a ausência de respostas para pessoas que nos procuram, muitas vezes, em momentos muito complicados de suas vidas, em situações de vida muito complexas e que tenham consciência, tal como eu, que o Café Memória não vai resolver todos os seus problemas e que as respostas que elas precisam não existem. E sair da sessão até a sessão seguinte com essa consciência é particularmente desafiante e depois, lidar com a ausência das pessoas, lidar com pessoas com demência é o meu dia a dia, lidar com a ausência destas pessoas não. Nós acompanhamos ao longo destes cinco anos percursos de vida incríveis e percursos de vida difíceis. E claro que já enfrentamos a perda de pessoas a quem nos ligamos no Café Memória, irremediavelmente nós nos ligamos muito uns aos outros e portanto a perda é sentida e lidar com a ausência em alguns momentos chave de algumas pessoas que marcaram muito este projeto e portanto, marcaram muito a minha vida, é claro, sem dúvidas, muito desafiante.

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