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Veja agora a entrevista completa com a Regina Afonso, responsável operacional do projeto Café Memória Faz-se à Estrada.

As entrevistas foram feitas pela embaixadora do projeto, Luísa Castel-Branco e por um membro da equipa Nave16.

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Em baixo pode ler a transcrição completa da entrevista.


Regina Afonso - Café Memória Faz-se à Estrada

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Luísa - Regina, Regina quê?

Regina Afonso.

L - Quantos anos tem?

R - 44.

L - Então Regina, conte-me a história da sua vida porque você ainda não chegou às minhas mãos. Eu já andei a passar a mão pelos voluntários, pelos cuidadores, pelas fundadoras, pelos parceiros e faltava você. Então como é que aparece aqui?

R - No ‘Café Memória faz-se à Estrada’.

L - Ainda bem que disseste o nome todo porque eu não ia conseguir.

R - Eu apareci no Café Memória faz-se à Estrada pela relação de amizade, que tenho com a Catarina e com a Isabel. Nós conhecemos-nos na universidade, na nossa 2 licenciatura, como já foi referido por elas. Somos amigas, nutrimos sentimentos e valores muito bonitos e fortes entre nós como a confiança, a reciprocidade e a amizade... daí estarmos juntas neste projecto.

L - Portanto também foi o segundo curso.

R - Sim.

L - O seu primeiro qual é que foi?

R - Gestão de empresas.

L - Que tem tudo a ver.

R - Completamente (em tom irónico).

L - Depois foi fazer psicologia?

R - Antes de psicologia passei pelo marketing. A psicologia foi a grande meta alcançada. Como é que eu fui parar à psicologia? Porque sou uma pessoa muito curiosa.

Quando trabalhava em gestão, trabalhava com equipas, fazia análise de mercado e passava algum tempo com as equipas de venda. Os comerciais pediam-me alguma ajuda sobre como poderiam atingir os objectivos, que eu todos os meses lhes colocava como ‘meta’ a alcançar para esse mês. Claro que não era só vender, não era só colocar um produto no mercado, ..., para mim era necessário perceber como é que o mercado funcionava ...era quase como que um grande mistério, como é que eu poderia ajudar pessoas se eu também não percebia como é que o mercado funcionava na sua essência, ou seja, em termos de comportamento de compra (do consumidor final)?!

Achei que o marketing traria as respostas. Trouxe algumas, mas, ainda assim, não foram suficientes e decidi fazer psicologia, por ‘brincadeira’, apenas para tentar retirar alguns ‘ensinamentos’. Apaixonei-me de tal modo pela psicologia que abandonei a outra carreira para me dedicar exclusivamente a esta.

O que seria suposto, era eu especializar-me em psicologia organizacional, mas tal não aconteceu e ... escolhi psicologia clínica.

A psicologia clínica, era um mundo mais vasto e interessante. Perceber os esquemas mentais das pessoas para mim era extremamente fascinante e aí sim, conseguiria obter algumas respostas. Enquanto aluna de mestrado acabei por estudar o comportamento do consumidor, nomeadamente o feminino - Investiguei ‘A influência do ciclo menstrual no comportamento de compra’.

L - Essa é boa...

R - Sim, foi muito interessante, tanto na área da gestão como na de psicologia. Foram 2 teses de mestrado. Para mim foi um mundo que ainda hoje está por descobrir mais aprofundadamente. 

L - Temos de falar sobre isso. A menopausa chegou há 20 anos e ficou cá, continuo com afrontamentos e tudo. Ela vive bem, está feliz comigo, não tenciona ir-se embora. Mas isso é um assunto muito interessante. E o que é que tem a ver com a terceira idade, também estudou para isso especificamente?

R - Não. Tal como falámos há pouco, eu comecei com crianças, no serviço de neonatologia do Hospital de Santa Maria, e estive a trabalhar lá durante algum tempo. Acho que nessa altura exercitei em mim a criatividade e alguma flexibilidade. Eu era uma pessoa algo rígida e formal na forma de estar e no meu relacionamento com as pessoas.

A Catarina e a Isabel, amigas fantásticas, bem como outras pessoas, que se cruzaram no meu caminho, ajudaram-me a tornar numa pessoa mais “easy-going”, ou seja, mais despreocupada e descontraída.

L - Você é bastante mais tímida que elas.

R - Em alguns aspectos, talvez.

L - Ou então odeia dar entrevistas. (Risos)

R- Não estou tão habituada como elas. 

L - Ah mas a gente a partir de agora ensina-lhe tudo. E acabou então por ser levada por elas para o Café Memória.

R - Sim, eu acho que quando me convidaram a trabalhar, elas foram à procura desta minha vertente mais curiosa e irreverente. Todo o tempo dedicado ao estudo e aquisição de conhecimentos na área da gestão, do marketing e da psicologia, no seu todo, iriam, agora, servir para alavancar e dar vida a este novo projecto o - Café Memória faz-se à Estrada. 

L - E há quantos anos é que está no Café Memória, antes de ele se fazer à estrada?

R - Eu entrei para trabalhar no projecto Café Memória, portanto em 2017.

 L - E esta ideia do “Faz-se à Estrada” o que é que quer dizer?

R - É levar o que de melhor as equipas do Café Memória fazem, no modelo tradicional, a todos os 4 cantos do país, a concelhos muito mais pequenos que não reúnam as condições de exigibilidade que os concelhos têm de ter para receber um Café Memória tradicional.

L - Conte-me um dia da sua rotina.

R - o meu dia começa com o estabelecer ou a ‘dar resposta’ a contactos recebidos como resultado de uma abordagem prévia feita por uma de nós, por telefone, por email ou então, são os próprios municípios que nos contactam porque já ouviram falar do Café Memória e querem saber como funciona e se o município pode ter ou não um Café Memória. Se estiverem reunidas as condições e o parecer for favorável, avançamos!

L - E se não é viável para ter o modelo tradicional fixo?

R - Se não for viável, poder-nos-á ‘receber’ ocasionalmente, através do Café Memória faz-se à Estrada.

Se houver interesse, a partir daí, iniciar-se-á todo o processo, começando com a explicação de como funcionam estas sessões itinerantes. Na prática, elas são, em tudo, iguais às sessões do Café Memória tradicional.

L - Então levam uma camioneta?

R - Não, não levamos. O que acontece é, face aos 20 Café Memória, espalhados por Portugal continental e ilha da Madeira, perante um pedido de uma sessão de Café Memória faz-se à Estrada, eu atribuo a realização da sessão à equipa do Café Memória mais próxima dessa localidade. Articulando, posteriormente, o local, a data e o horário. Não temos uma camioneta mas, alguns dos nossos carros estão costumizados com alusão ao Café Memória faz-se à Estrada.

L - E portanto você vai até…

R - Eu não!... eu não vou. Eu contacto apenas com as pessoas envolvidas à distância (parceiros locais e as equipas do Café Memória). Ocasionalmente acompanho a Catarina e a Isabel em algumas das sessões itinerantes que elas realizam.

L - Ai elas fazem também? Mas quantas horas tem o dia delas?

R - O dia delas tem muitas horas (risos).

L - Portanto você faz toda a parte logística que é bem importante, no fim de contas.

R - Sim, desde que acontece o primeiro contacto até à realização da sessão do Café Memória faz-se à Estrada, ocorrem muitos telefonemas, muitos ajustamentos. Para mim, é o mais desafiante porque não só tenho a satisfação de levar áquelas pessoas, que pediram algo que já conhecem e não podem ter, uma sessão, pontual, do Café Memória como também fico a conhecer realidades novas.

É curioso... passei parte da minha vida a ajudar no atingir dos objectivos com as equipas de vendas com as quais trabalhava, e agora sou eu que tenho objectivos para cumprir, sou eu que tenho de persuadir e sim, isso para mim tem sido o grande desafio. 

L - Tem um mapa de Portugal onde põe aqueles pins?

R - Não tenho no papel mas tenho no computador. Faço um bonequinho na minha agenda onde coloco as pintinhas.

L - Aqui em Lisboa, participa dos Café Memória?

R - Pontualmente visito algumas sessões, no entanto e isso já partilhei com elas, emociono-me muito facilmente.

L - Ai filha, obrigada. Como eu te compreendo.

R - Há pouco emocionei-me com o último testemunho - não me consigo distanciar como pessoa que sente. Talvez por não ser a minha área de formação especifica, daí que se torne mais difícil.

L - Ainda bem que não é porque assim são complementares. Eu percebo perfeitamente que seja muito duro. Eu estive a entrevistar pessoas cujo marido ou mulher já tinham partido e é assim uma coisa… ao mesmo tempo é uma bofetada de realidade e o agradecimento das pessoas é tão genuíno e tão grande que deve ser uma óptima recompensa para vocês, seguramente.

R - Sim, para mim é muito importante o feedback quer das equipas, assim que terminam a sessão, quer dos próprios parceiros locais. É muito satisfatório perceber que as pessoas gostaram. A afluência das pessoas às sessões, também é um indicador muito importante.

Para mim, outro factor muito determinante é ... até que ponto o município se envolve nesta acção! Isso é algo que eu consigo logo percepcionar quando acontece o primeiro telefonema. A voz que se ouve do lado de lá, para mim é muito premonitória sobre o que é que vai acontecer. 

L - No fim, vocês está a aplicar os 3 cursos que tirou mesmo em termos de marketing.

R - Sim.

L - Isso é muito interessante. Então e no meio destes anos que tem já de experiência do Café Memória alguma coisa a marcou mais?

R - As coisas que me têm marcado mais e das poucas vezes que tive oportunidade de ir a estas sessões itinerantes, é chegar ao local e as pessoas me reconhecerem pela voz, de repente é como se colássemos o ‘cromo na caderneta’ – fazer a correspondência do ‘imaginário’ ao ‘real’ e isso é muito engraçado. Perceber se a sessão que eu ‘levei’ até áquela comunidade, áquele concelho, está a ser bem acolhida, ... se sim, é muito gratificante para todos os envolvidos!

Depois são as partilhas que emergem da sessão, e que tocam, e por último é o terminar de mais uma sessão e fazer acontecer outra, noutro local.

L - Das vezes que não vai e fica no escritório, depois tem o feedback. Esse feedback houve alguma história que a tocasse especificamente?

R - Não, de um modo geral estamos numa perspectiva - desculpe a expressão - negocial, não há uma grande partilha. 

L - Mesmo no pós.

R - Sim, as pessoas acabam também por se proteger bastante.

L - Qual foi o sitio mais longe onde já levou o Café Memória?

R - O sitio mais longe talvez tenha sido em Mirandela.

L - Uau!

R - Este ano, à semelhança do ano anterior, temos feito Cafés Memória muito distantes de Lisboa. Estivemos em Mirandela (2018), Guarda (2018), Trancoso (2018), Beja (2018); Almeida (2019), Mêda (2019), Covilhã (2019), Mértola (2019), Cuba (2019), Alcoutim (2019) ... Talvez estes tenham sido os locais mais distantes, até agora. Até final do ano, iremos estar em locais, igualmente, distantes das grandes cidades!

L - Não sei se será a pessoa certa para perguntar mas acho que sim. Há alguma adaptação do Café Memória quando se vai, por exemplo, para Mirandela? Porque é uma realidade que não tem nada a ver com os grandes centros urbanos.

R - Eu acho que as nossas equipas têm uma capacidade de adaptação muito grande. No trabalho que desenvolvo, com o parceiro local, à distância, vou recolhendo alguma informação que depois irá ajudar e facilitar o trabalho da equipa na realização da sessão do Café Memória faz-se à Estrada. No final, o feedback recebido é sempre bem acolhido e enriquecedor para as experiências futuras.

L - Eles próprios sabem adaptar a linguagem ao local onde estão.

R - Sim, até porque desloca-se a equipa que estiver mais perto desse local e, por proximidade, também não há assim uma grande diferença ‘cultural’.

L - Agora que ninguém nos está a ouvir, como é que projecta a sua vida? Se tivesse uma varinha mágica e fizesse exactamente o que queria, o que seria?

R - Eu ao longo da minha vida tenho somado experiências e continuo a perseguir sonhos. Gostaria muito de, nesta altura da minha vida, reunir tudo (o que aprendi e experiênciei) e ajudar pessoas, talvez, não numa área de ‘patologia clínica’ mas numa área de desenvolvimento pessoal e profissional, em empresas ou noutro tipo de organizações.

Na prática, quando saí da área de gestão fui à procura de respostas - tentar perceber aquilo que não estava a conseguir entender, que eram as pessoas, a forma como elas pensavam nos seus problemas e tomavam decisões. Acho que hoje é quase um regresso. Esta experiência no Café Memória tem sido muito aliciante, é o colocar em prática de tudo aquilo que eu aprendi, ao longo do tempo, e que muitas vezes fazia, intuitivamente, quando ajudava, neste caso, os comerciais a alcançarem os seus resultados de vendas.

Eu espero que o Café Memória continue a existir, continue a expandir-se, não só internamente mas para lá das nossas fronteiras e se eu puder fazer parte, não sei ainda em que papel, gostaria bastante. 

L - Estava a falar da acumulação de experiências, eu sei que ainda é muito jovem mas não acha que a vida, os anos a passarem lhe trouxeram uma nova visão?

R - Completamente. O Café Memória ajudou-me a alterar a minha perspectiva sobre o ‘cuidar’ de pessoas - acho que cresci bastante enquanto pessoa, ensinou-me a distanciar dos problemas e permitiu-me conhecer um bocadinho o ‘fim da linha’ da vida.

Eu comecei esta minha viagem, na psicologia, com as crianças, aliás, no serviço de neo-natologia do Hospital de Santa Maria, portanto, convivi durante um certo período de tempo com pais de ‘coração nas mãos’ e recém-nascidos prematuros, depois passei por todas as fases de desenvolvimento até à idade adulta e agora estou, não como psicóloga, mas a fazer parte de um projecto que coloca todo o seu foco nesta temática - as demências. 

Foi um percurso muito interessante agora que me está a fazer pensar nisso.

Gostaria de conseguir levá-lo ‘mais longe’ - informar e sensibilizar mais pessoas em diferentes contextos, mais transversais. 

L - E no fim só tem 44 anos.

R - Só. 

L - Falta-lhe tanto, tanto para viver ainda. Acho que hoje em dia esquecemo-nos muito, porque não é politicamente correcto falar da escola da vida, mas ela efectivamente existe. Para quem não vive amarrado a um teclado mas vive a sentir os outros e a observar os outros, até pelos tipos de curso que tirou, seguramente que pensa a sua para trás e vai crescendo como ser humano. Muito provavelmente, a vida ainda lhe vai trazer grandes surpresas, eu espero que sim.

R - Eu também. 

L - A melhor coisa da vida é ser surpreendida, não é?

R - Sim, completamente. Aliás, eu não ando na rua só por andar. Sou muito observadora ... atenta aos detalhes... Facilmente eu descolo de onde estou e viajo por aí, observo as coisas de outra forma…

L - Com os olhos da alma.

R - Sim.

L - Olhe, eu desejo-lhe o melhor possível e para o, espera que eu vou dizer direitinho, Café Memória faz-se à Estrada?

R - Muito bem.

L - Extraordinário, consegui (risos). Tudo de bom.

R – Obrigada.

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